Dos olhos da esfinge aos olhos do cupido: imagens do amor na Antiguidade.

Trabalho escrito por:

André Portugal; Lohanne Ferreira; Tatiane De Castro e Vera Araújo Aguiar.

Introdução:

Comumente, ao se apresentar imagens ou símbolos ligados ao amor ou outros sentimentos próximos a ele na sociedade atual, como o desejo carnal, por exemplo, remete-se a alguns elementos culturais da antiguidade. Todavia, ao buscar nos “antigos” essas formas similares de representação das sensações amorosas, não se dá conta das diferenças existentes entre as formas de conceber as paixões humanas ao longo do tempo.

O amor, em outros tempos, fez referência a um conjunto de relações sociais e a universos mentais bastante diferentes daqueles em que se vive atualmente, pertencendo a uma forma de ver e viver o mundo específico de um lugar e de um tempo. Nesse sentido, propõe-se, nas próximas páginas, uma reflexão sobre as concepções do amor nas chamadas “civilizações antigas”, ressaltando as representações dessa sensibilidade nas manifestações artísticas relacionadas a três sociedades particulares: a egípcia, a grega e a romana. Para tanto, utilizar-se-á dos métodos analíticos da História da Arte para buscar uma compreensão mais precisa de como os homens de arte daquele tempo deram sentido ao entendimento do amor em sua sociedade, dialogando com outras práticas e discursos, como a mitologia e a própria religiosidade. A proposição metodológica de Gombrich é considerada bastante frutífera para esta análise, quando o autor afirma que o desejo de seu trabalho é:

[…] provarmos que o que chamamos “obra de arte” não é fruto de uma atividade misteriosa, mas objeto feito por seres humanos para seres humanos (GOMBRICH, 1985: 35).

É importante atentar para o fundamento básico de uma história dos conceitos: a ideia de que a linguagem é fruto das relações históricas e sociais, estando sujeita as transformações relacionadas às passagens do tempo. Como aponta o filósofo Michel Foucault,

a história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo […], mas a de seus diversos campos de constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída sua elaboração (FOUCAULT, 2008: 4-5).

Assim, compreender historicamente o conceito de amor remete a uma análise das sociedades nas quais esse termo foi moldado, buscando alcançar o seu “universo mental”.

Dessa forma, nas páginas seguintes serão discutidas três realidades distintas em relação ao conceito de amor para a Antiguidade: os casos de Ísis e Osíris e de Tutankhamon na cultura egípcia; as representações artísticas do amor na Grécia, com enfoque na mitologia e na religiosidade; e a análise da imagem da deusa Vênus na cultura romana. A partir desses casos particulares, será possível refletir sobre a historicidade do amor na cultura antiga, tomando como ponto central as relações entre a arte e os elementos culturais de cada civilização.

1) Como o amor era retratado no Antigo Egito:

No Egito Antigo, coisas como o amor não eram muito retratadas em suas obras de arte, o que não quer dizer que eles o ignoravam completamente. Primeiramente, é preciso compreender o estilo de vida dos egípcios naquela época.

Para o povo egípcio, cujas relações eram em sua maioria monogâmicas, os poucos documentos escritos provam que a união entre duas pessoas era considerada apenas como uma questão social, sem ligações religiosas. O casamento era definido como um “contrato”, mais precisamente como um assentamento de propriedades. Esses contratos definiam os bens de cada parte antes do casamento para que, em um suposto divórcio, esses bens viessem a ser divididos corretamente entre os envolvidos.

As noivas não possuíam voz para questionar as decisões sobre seu casamento. Cabia ao seu pai, ou, na ausência deste, seu tio, definirem o que seria melhor para a moça em questão. Uma concepção também conhecida era a de que os casamentos ocorriam após as crianças atingirem a idade sexual adulta. Para as meninas, isso ocorria entre os 12 e 13 anos, e para os meninos cerca dos 14 e 15 anos. Era comum, também, que homens com idade mais avançada, que, por ventura, se divorciassem ou cujas esposas viessem a falecer, se casassem de novo com mulheres mais jovens. Um exemplo disso seria o de Qenherkhepeshef, escriba de Deir El-Medina, que se casou com uma menina de 12 anos quando este teria 54 anos.

Qenherkhepeshef e sua esposa

Qenherkhepeshef e sua esposa.

Deuses e faraós: relações incestuosas em seus matrimônios.

Embora pareça comum falar sobre incesto no Egito Antigo, essa não era uma prática obrigatória para os matrimônios em geral. Essa cultura do incesto na realeza egípcia se dava a fim de manter a legitimidade absoluta do poder. Uma recém-descoberta desta prática é a de que o jovem faraó Tutankhamon, filho de Akhenaton, seria fruto dessa relação incestuosa, o que explicaria seus problemas de saúde e sua morte precoce, associado à má formação genética.

Tutankahamon

Tutankahamon.

Já no âmbito da mitologia egípcia, a história mais conhecida é de Ísis e Osíris, irmãos gêmeos e, respectivamente, deuses do amor e da terra, nos quais a mitologia retrata o forte amor entre os eles e o ciúme excessivo de Set por Osíris, que resultou num trágico assassinato por parte de Set. Um dos motivos que teriam levado a se associar a prática do incesto à cultura egípcia diz respeito à prática dos casais tratarem a si mesmos como “meu irmão” e “minha irmã”. Isso levou aos primeiros egiptólogos a traduzirem literalmente essas expressões, conduzindo a um estudo errôneo dessas inscrições.

Ísis ressuscitando Osíris

Ísis ressuscitando Osíris.

Ísis e Osíris

Ísis e Osíris.

4000 anos de amor: a história de Meretites e Kahai.

Demonstrações de afeto nas artes egípcias eram bem incomuns, mas não inexistentes. Em 1966, um grupo de arqueólogos encontrou, na necrópole de Saqqara, uma tumba contendo toda uma história deste casal de amantes. As gravuras de seu interior revelam cenas do cotidiano do casal, que viviam no palácio do faraó Niuserre, trabalhando respectivamente como sacerdotisa e cantor. O relevo que mais impressiona é a imagem do casal se olhando diretamente, sem deixar escapar o detalhe da mão de Meretites apoiada sobre o ombro de seu esposo Kahai.

Contudo, nem só de momentos felizes viveu o casal, que experimentaram a dor de perder um de seus filhos, Nefer, também cantor, que deixou para trás três filhos e uma esposa grávida. Posteriormente, relevos de seus filhos, cujos restos mortais foram também ali enterrados, foram adicionados às paredes da tumba, transformando o local em um verdadeiro memorial familiar, conseguindo que seu amor perdurasse por toda a eternidade, como conta a mitologia egípcia.

Meretites e Kahai

Meretites e Kahai.

Interior da tumba de Meretites e Kahai

Interior da tumba de Meretites e Kahai.

Cotidiano no Palácio

Cotidiano no Palácio.

Detalhes adicionais de seus filhos

Detalhes adicionais de seus filhos.

2) Amor e sociedade na Grécia Antiga:

Ao se falar em representações artísticas gregas do amor, é impossível não discorrer sobre dois pontos: o modo de viver grego (acerca das relações de afeto) e sua relação com a mitologia. Quanto ao primeiro aspecto, é preciso compreender que conceitos usados hoje, como sexualidade promíscua, amor e as próprias definições de relações como sendo “homossexuais” ou “heterossexuais” não ditavam as regras de convivência social na Grécia exatamente como se tem hoje. Deve-se enxergar o período grego como um período com uma cultura diferente da atual, no qual as condutas sociais fazem jus a esse modo de viver próprio. Partindo para o segundo ponto, se faz necessário esclarecer a forte ligação da representação das divindades na mitologia grega. Os deuses gregos eram representados à figura humana; tinham qualidades e defeitos semelhantes aos mortais. Partilhavam também de similares impulsos e emoções, como desejo sexual e inveja, respectivamente.

As demonstrações de afeto eram traçadas a partir da sexualidade. As relações sexuais tinham importante papel na vida dos gregos; entretanto, os gregos não tinham a noção pecaminosa do ato sexual, como se difundiu mais tarde no mundo ocidental com a herança judaico-cristã, e, portanto, não viam culpa na realização dos desejos sexuais. Como já foi dito, os conceitos de “homossexualismo” e “heterossexualismo” somente existiram a partir da visão cientifica do sexo no século XIX (FOUCAULT, 2007). Então, além de não sentirem culpa no ato sexual – praticado com pessoas do mesmo sexo ou oposto, desde que fosse entre membros do mesmo segmento social -, os gregos também viam no sexo uma representação divina, uma vez que o desejo sexual está intrínseco a natureza. Tudo o que acabou de ser explicitado sobre os atos sexuais serve para situar o quadro social grego de maneira mais simples e plena para explicar as relações amorosas na Grécia.

Os casamentos eram arranjados e não envolviam o “amor” propriamente dito.

Nas elites, os casamentos eram arranjados e não corriam, portanto, por amor, tal como nós o concebemos, entre duas pessoas que, por comunhão de ideias e de atrações, namoram e se casam. (FUNARI, 2002: 53).

A partir dessa percepção, as verdadeiras relações amorosas ocorriam com outras pessoas, do mesmo sexo ou não. É registrado que as relações antes do casamento eram abundantes nos chamados “banquetes”. Nessas ocasiões, homens faziam sexo com as “hetarias” (companheiras de banquetes) ou com outros homens. Existia também o conceito de “amor nobre”: era amor entre homens. Esse amor se representava na relação de “pederastia” (relações entre mestre e aprendiz). Havia relações amorosas e sexuais entre esses meninos aprendizes e os mestres já adultos (FUNARI, 2002: 55).

Exemplo de pederastia na imagem, no qual um jovem menino atiça a sexualidade do homem já adulto

Exemplo de pederastia na imagem, no qual um jovem menino atiça a sexualidade do homem já adulto.

Para adentrar a mitologia grega no que tange ao amor, é preferível começar pelo Mito do Andrógino, explicitado por Aristófanes, em um banquete retratado por Platão. No período abordado pelo filósofo, existiam seres andróginos de quatro braços, quatro pernas, uma cabeça e dois rostos. Eram criaturas que descendiam da lua e, como era de se imaginar, tinham destreza e força descomunais, tão descomunais que ameaçavam os próprios deuses. Então, Zeus, num ato de autoproteção, cortou esses seres ao meio para torna-los mais fracos, de modo a se formarem dois novos seres bípedes. Mais tarde, Zeus transforma esses seres em homens e mulheres. Para a criação do amor e dos termos “cara metade” ou “alma gêmea”, tem-se:

Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade […] (PLATÃO, 2003: 21).

Ainda no texto de Platão, é transcrito o diálogo de Sócrates – a respeito do Mito do Andrógino -, um trecho no qual o mesmo diz a respeito não somente do desejo de encontrar a outra metade, mas também o desejo de encontrá-la apenas se esta for boa. Ou seja, além do sentimento de busca de completude, o amor se junta do conceito do Bom; então se tem que o amor se direciona sempre ao que é bom. O que começa com um mito antigo de Aristófanes termina com uma definição altamente sofisticada de Platão acerca da filosofia: Amor é o desejo da infinita busca pelo bom (SINGER, 2009: 52-53).

A mitologia grega tinha um papel muito importante na vida social e cultural na Grécia. A partir dela e das qualidades e ações das divindades, conceitos que temos até hoje foram criados. Para a matéria do amor, Afrodite e Eros eram os mais importantes.

Dentre as diversas vertentes mitológicas (indo da Teogonia de Hesíodo até Banquete de Platão, por exemplo) a mais difundida é a de que Eros seria filho de Afrodite com Ares. Eros é um dos deuses mais complexos da Grécia, pois representava todos os sentimentos acerca da força do desejo. Era a representação incoercível dos desejos e personificado, é o deus do amor (BRANDÃO, 1986:153). É frequentemente representado como uma criança alada que possui em suas mãos um arco e flecha, capaz de acertar deuses e mortais deixando ambos perdidos na paixão. Afrodite é considerada a divindade do amor e da fertilidade. Eros e Afrodite eram muitas vezes representados juntos, com Eros sempre seguindo a figura de Afrodite.

Antiga pintura grega representando, dadireita para a esquerda: Eros, Afrodite, Pentesileia, Aquiles e Atena no Plano de Troia.

Antiga pintura grega representando, dadireita para a esquerda: Eros, Afrodite, Pentesileia, Aquiles e Atena no Plano de Troia.

Como exemplificação da representação grega dos mitos, tem-se o mito de Eros (Cupido) e Psiquê. O conflito entre a alma e o amor é simbolizado pelo mito de Eros e Psiqué […] (BRANDÃO, 1986:190). Psiquê, em grego, pode ter significância de “borboleta” ou “alma” (esta preferível a nossos propósitos) (BULFINCH, 2013: 96). No mito, Psiquê era uma jovem tão linda que apenas palavras não poderiam descrever a sua beleza. A beleza era tamanha e chamava tanta atenção que deixou Afrodite (Vênus para os romanos) com inveja e esta manda seu filho, Eros, puni-la por ser tão linda. O mito se desenvolve e, em um determinado momento, Psiquê é levada por Zéfiro para os aposentos divinos de Eros e, então, sem saber, acaba virando amante dele, que, por sua vez, não a deixa ver seu rosto sobre o argumento de não querer despertar o medo ou admiração extrema na moça. Mesmo assim, Psiquê tenta descobrir quem é seu amado; Eros acorda; percebe que sua confiança foi traída por sua amada; e a abandona. Completamente afundada em desgosto e saudade, Psiquê se entrega à morte. Eros, com pena, e também por sentir falta de sua amada, suplica a Zeus por uma chance e este a concede: Eros poderia trazer Psiquê de volta à vida e levá-la para o Olimpo, tornando-a imortal; e assim se faz. Eros e Psiquê nunca mais se separaram. Outra reflexão acerca desse mito é que retrata a junção do amor e da alma, mesmo com as suas desavenças.

Estatua entitulada “Cupido e Psique”, de Antonio Canova 1787, representando o romance entre o deus do amor e a “alma”.

Estatua entitulada “Cupido e Psique”, de Antonio Canova (1787), representando o romance entre o deus do amor e a “alma”.

Outro exemplo de mito que relata o amor na mitologia grega é o de Orfeu e Eurídice. Os dois se amam e se casam, porém Himineu levou má sorte ao casamento. Pouco depois do casamento, Eurídice estava passeando pela floresta quando Aristeu a avistou e tentou seduzi-la. Na fuga do mesmo, Eurídice foi picada por uma serpente e morreu. Orfeu, inconformado, foi até o reino dos mortos implorar pela possibilidade de reaver a sua amada. Como era um exímio cantor, arrancou lágrimas de fantasmas e até mesmo de Hades (Plutão para os romanos), que concedeu Eurídice de volta com uma condição: que na saída do submundo Orfeu não olhasse para o rosto de Eurídice. Entretanto, num momento de esquecimento, Orfeu o fez e sua amada foi tomada mais uma vez de seus braços; dessa vez, para sempre. Caindo em desgraça e arrependimento, Orfeu ficou sete dias em jejum e faz pouco caso das Mênadas, que tentavam seduzi-lo. Sem obterem sucesso, as Mênadas, furiosas, cortam Orfeu em pedaços e os jogam no Rio Hebrus. Após, as Musas sentem pena de Orfeu e sepultam seus pedaços no Monte Olimpo. Por fim, Orfeu reencontra sua amada no submundo e eles permanecem juntos pela eternidade, um nos braços do outro. (BULFINCH, 2013: 183-186).

Detalhe em vaso grego sobre as Mênadas atacando Orfeu.

Detalhe em vaso grego sobre as Mênadas atacando Orfeu.

3) Amor e arte em Roma Antiga:

Atribuímos a fundação lendária de Roma aos povos Etruscos, em 753 a. C. A história da civilização romana se divide em três grandes períodos: a Monarquia, a República, e o Império. A civilização e a arte romanas receberam influências gregas e etruscas, mantendo uma profunda admiração pela arte grega de todas as épocas e estilos. Muitos de seus artistas eram de origem helênica (referente à disseminação da cultura grega a partir da dominação macedônica). Desse modo, não se pode dizer que existe um estilo propriamente romano, há temas romanos ou o estilo greco-romano.

Por ser uma sociedade em constante expansão na conquista de novos territórios, a arquitetura romana nasceu das necessidades da cidade; portanto, teve uma eficácia basicamente funcional. Suas construções foram feitas para durar séculos, a exemplo da solidez das estradas, pontes e aquedutos (construídos com o auxílio de cimbres de madeira – que possibilitam as formas iguais) e ainda hoje seus alicerces são utilizados (GRIMAL, 2003). Os romanos mostraram-se extraordinariamente inventivos no domínio do urbanismo, os estudiosos dizem que apenas no século XX foi descoberto planejamento das cidades e como eles as fizeram – a técnica.

Representações do amor: a Deusa Vênus

Durante as últimas décadas, os debates sobre as concepções de amor e sexualidade se acaloraram, estabelecendo um novo posicionamento a favor da releitura desses temas, enfatizando a importância de interpretações mais criteriosas e atentas aos diferentes sentidos que estes conceitos adquirem em momentos históricos específicos e conforme os grupos sociais em que são formulados, pois estes variam de acordo com suas tradições, costumes, valores religiosos e morais (FEITOSA, 2005). Aqui, trazemos um breve estudo sobre as representações artísticas do amor para sociedade romana, na Roma Antiga. Deter-se-á às representações da Deusa Vênus, por ser considerado o ícone da representação do amor na cultura romana.

Uma vez que as concepções sobre o amor são definidas pela cultura, e as culturas se distinguem umas das outras, seus sentidos não podem ser fixos. Sobressai-se a maneira como foi significado o amor na Roma Antiga, e as suas representações na arte. Apresentaremos algumas pinturas parietais encontradas em Pompéia que trazem a representação do amor e da sexualidade para aquela sociedade. De acordo com Sanfelice:

no que se refere ao quadro Romano, no momento em que Pompeia foi anexada por Sila ao Império Romano nos anos 80 a.C, ela passou-se a chamar Colonia Cornelia Veneria Pompeianorum, indicando em seu nome a proteção e a influencia da deusa do amor entre seus habitantes (SANFELICE, 2010: 74).

Assim, podemos falar que equivalente à Afrodite para os gregos, Vênus era conhecida como aquela que nasceu da espuma do mar e concebida pelos romanos como a deusa do amor e da fertilidade (SCHWAB, 1994:323). A Deusa Vênus é, pois, a principal figura de representação do amor na arte produzida em Roma nesse período.

Como afirma Laurence (2009), pinturas e grafites estavam espalhados pela cidade e nas construções civis, em quartos, salas, varandas, corredores, e mostravam publicamente as aclamações sexuais e amorosas daquela sociedade da Roma Antiga. Propõe-se, então, olhar para essas representações da vida amorosa e sexual como um fenômeno cultural ligado aos costumes daquela sociedade. Para Sanfelice:

enfatizamos que a melhor maneira de conhecer a relação romana com os prazeres, o desejo, o sexo, o amor […] é através das evidências arqueológicas encontradas em Pompéia (SANFELICE, 2010: 177),

entre as quais se destacam as pinturas parietais.

A técnica utilizada nessas pinturas era basicamente o afresco, em que a pintura era realizada sobre uma camada de cal em pó ainda fresco nas paredes, e eram feitas tanto na parede interna quanto externa das casas, fazendo parte de um conjunto decorativo. Abaixo, apresenta-se alguns exemplos de afrescos encontrados em Pompéia e que apresentam a Deus Vênus enquanto uma representação da sexualidade e do amor.

Na primeira imagem (Figura 1), aparece uma representação recorrente nas paredes pompeianas: o namoro de Marte e Vênus. A Deusa está representada em volta de um manto, com um ar meditativo. Marte está atrás de Vênus, com um capacete e um manto. A pintura é climatizada num quarto e o indício para isso é o mobiliário presente nesse espaço. Há também outros personagens na cena, e, em destaque, o Cupido. O que se considera relevante mencionar é que apesar da presença de muitos personagens, Marte e Vênus estão em destaque na pintura. Há uma conotação sensual muito forte, e se percebe isso quando se olha para a Vênus encaminhando a mão de seu namorado em direção ao seu seio, enquanto sua outra mão está escondida em sua vestimenta. Sanfelice relaciona essas representações a uma cena de cortejo e núpcias do casal: a deusa do amor despindo-se para seu amante. Essa mesma representação foi encontrada em outras pinturas (Figuras 2 e 3).

O que parece importante na análise dessas imagens é que se traz concepções diferentes das comumente estudadas dentro da Arte Romana. Os trabalhos de Historiografia Romana possuem uma ênfase muito grande nas preocupações dos romanos com as conquistas territoriais e políticas, acabando por aparecer em grande número na Arte Romana os temas militares. O que se apresenta neste momento do trabalho é que a arte na Roma antiga está para além das representações militares. As relações entre o sagrado e o profano foram comumente representadas nesse período e espaço. Essas interpretações suscitam novas interpretações sobre culturas e povos que estão habitualmente relacionados a alguns estereótipos, o que traz à tona uma Antiguidade Romana mais complexa e dinâmica nessa análise.

(Figura 01) Namoro de Vênus e Marte.

(Figura 01) Namoro de Vênus e Marte.

(Figura 02) Vênus e Marte.

(Figura 02) Vênus e Marte.

(Figura 03) Representação de Vênus.

(Figura 03) Representação de Vênus.

Considerações Finais

Seja na descrição do romance entre Ísis e Osíris, seja nas representações da deusa Vênus, ou mesmo na reflexão filosófica de Platão sobre o amor; ficam claras as diferenças temporais e especiais às quais se submetem os sentimentos amorosos nas civilizações da Antiguidade. Essas particularidades apontam para o que havia sido comentado no início deste texto: não é possível abarcar as formas de sentir o mundo no mundo antigo a partir das percepções contemporâneas das sensações, inclusive do amor. Enquanto um conceito, um elemento da linguagem, a palavra amor remete a um resultado de interações sociais que se relacionam, sobretudo, com a forma pela qual as pessoas pensavam, nesse tempo e nesses lugares, os mitos e as religiões.

Essa possibilidade de reflexão está diretamente conectada com a chave interpretativa lançada por uma História Social dos Conceitos, representada pelo historiador alemão Reinhart Koselleck. Em seu trabalho Futuro Passado, o autor afirma:

muitas vezes, um mesmo termo designa o conceito e a categoria histórica; então, torna-se mais importante estabelecer a diferença nas maneiras de usá-lo. A história dos conceitos mede e estuda essa diferença ou convergência entre os conceitos antigos e as atuais categorias do conhecimento (KOSELLECK, 2006: 306).

A perspectiva de trabalho está vinculada, sobretudo, à capacidade da historiografia de se reinventar, de reformular seus argumentos e seus “pontos de vista”. Como diz Koselleck:

a História só poderá reconhecer o que está em contínua mudança e o que é novo se souber qual é a fonte onde as estruturas duradouros se ocultam também estas precisam ser buscadas e investigadas, se quisermos que as experiências históricas sejam traduzidas para uma ciência da história (Idem, 2006: 327).

Do olho da esfinge ao olho do cupido, as formas de sentir e de compreender o amor mudam pela “lupa” do historiador, em um movimento que confronta, sempre, passado e futuro distantes entre si.

Referências Bibliográficas:

BLANCO, Javier García. El amor de uma sacerdotisa egípcia. Disponível em: https://es-us.noticias.yahoo.com/blogs/blog-de-noticias/el-amor-eterno-de-una-sacerdotisa-egipcia-225517629.html. [Acesso em: 18 de novembro de 2014].

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 1986.

BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: História de Deuses e Heróis. Trad. David Jardim. 34ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

DUNN, Jimmy. Egypt: Marriage in Ancient Egypt. Disponível em: http://www.touregypt.net/featurestories/marriage.htm. [Acesso em: 18 de novembro de 2014].

FEITOSA, Lourdes Conde. Amor e Sexualidade: Masculino e feminino nos grafites em Pompéia. São Paulo: Annablume, 2005.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Volume 3.  Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2007.

_________________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 2cd. São Paulo: Contexto, 2002.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

GRIMAL, Pierre. Cidades Romanas. Lisboa: Edições 70, 2003.

JAMILE, Márcia. Casamento e virgindade no Antigo Egito. Disponível em: http://arqueologiaegipcia.com.br/2014/09/10/casamento-e-virgindade-no-antigo-egito/. [Acesso em: 18 de novembro de 2014].

LAURENCE, R. Roman passions: a history of pleasures in Imperial Rome. Nova Iorque: Continum, 2009.

PLATÃO. Banquete. Créd. de Dig. Grupo de Discussão Acrópolis.Versão Eletrônica. Pará de Minas: Virtual Books, 2003.

SANFELICE, P.P. Sexualidade, amor e romantismo na Roma Antiga: as representações de Vênus nas paredes de Pompéia. Revista OPSIS. Vol. 10, Núm. 2, p. 167-190, jul-dez 2010.

SANT’ANNA, Márcio. O incesto no Egito faraônico. Disponível em: https://cpantiguidade.wordpress.com/2009/12/04/o-incesto-no-egito-faraonico/. [Acesso em: 18 de novembro de 2014].

SINGER, Irving. The Nature of Love. Chicago: University of Chicago Press, 1994-1987.

Um pensamento sobre “Dos olhos da esfinge aos olhos do cupido: imagens do amor na Antiguidade.

  1. Achei fantástico falarem sobre o mito de Eros e Psique, pois ele é um dos exemplos clássicos dentro da cultura grega a respeito da definição de amor. Eros, como foi dito anteriormente, é filho de Afrodite e Ares. Também é conhecido que Afrodite era esposa de Hefesto e mesmo “traindo” (na concepção da nossa atual cultura monogâmica) seu marido, esta nutre amor profundo por ele. As relações sexuais que tinha com outros deuses era apenas instintiva como retrata a mitologia. A deusa do amor relacionava-se sexualmente com diversos olimpianos, salvo algumas exceções como Artémis e Hera. Após o nascimento de Eros, Afrodite deita-se com Hermes e desta relação nasce Hermafrodito. Também achei interessante trazerem o conceito de amor de mestre, pois existe um mito que até mesmo Zeus deita-se com um dos seus servos, um menino jovem e casto.

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